Ervas da Provença
Alho
Sal grosso
Pimenta-preta
Gordura de pato ou banha
Tempere as pernas e deixe repousar vinte e quatro horas no frigorífico, tapadas.
Cubra-as com a gordura e deixe cozer no forno a 120º durante duas a três horas até estarem bem macias.
Isto era a receita. Antes de seguir para a confecção, só uma questão. Pernas de pato? Ou patas? Patas de pato ficava mal no texto, percebo a opção do autor da receita, que sempre que fala de porco pede com sua licença. Coisas dos intelectuais do Porto.
Continuando nas pernas/patas, claro que eu não as fiz só a elas e também improvisei na gordura de pato. O confit é cozedura numa gordura. Mas onde arranjar gordura de pato que não passasse demasiada gordura e deixasse no fim aquele travo gordo e melado? O truque foi a pele.
Tirei toda a pele em cru ao pato. Com isto, o tempero também entrava melhor. Depois, onde dizia cubra o pato segui literal e tapei a carne temperada com a pele. A imagem não é bonita e é por isso que não aparece fotografias. Mas o que eu imaginei foi a pele a pingar gordura por cima da carne até à base do tabuleiro, o que é uma imagem que já vi acontecer muitas vezes: muitos anos a virar frangos.
O bouquet de ervas da Provença é fácil. Apesar do nome a cheirar a antiguidade e segredos bem guardados, consiste apenas em alecrim, tomilho, segurelha, orégãos e manjerona. Quem vive no campo apanha os primeiros três em qualquer bocadinho de mato. Mesmo eu, no centro de Lisboa, apanhei alecrim à porta de casa.
Estava tudo pronto, hoje de manhã, para entrar no forno. Mas antes era preciso decidir se o molho do tempero também ia. Pensei que o preparado talvez fosse cozer em vinho e derreter pouco a gordura e por isso foi sozinho.
Ás cinco da tarde, entra o tabuleiro já com o forno pronto na temperatura. Para as oito, era em cima da hora e não permitia erros. Não tinha nenhuma opção se corresse mal. Passado meia-hora, o preparado ainda não fervia. A pele não escorria. Tudo estava cru. Meti a mão no forno e vi que a temperatura era inferior àquela com que tomo banho. Mas o termostato do forno indicava que já estávamos a 125º. Eu confio inteiramente no meu forno. O forno também confia em mim. Olhámos um para o outro e decidimos dar mais uma chance. Aguenta-te forno, disse eu.
À uma hora, os primeiros sinais de gordura líquida. Passado meia-hora, aparecem as primeiras pontas queimadas. Era chegada a altura. Tempero lá para dentro. Erro crasso. O líquido arrefeceu o preparado. Voltámos à estaca zero. Reacção rápida. Mais temperatura, depressa. 200º, terapia de choque. Passado pouco tempo, o molho aquece e parece ser isso que vai cozer o pato. Mas a carne que estava fora d'água começa a queimar. Papel de alumínio. Banho da criança e 20 minutos sem poder olhar para o que estava a acontecer. Um stand-by. Três avés-marias pensadas - alguém que as reze por mim - e seja o que deus quiser. Confiança absoluta. No fim, estava cozido. Sem problemas. Mas o resultado não foi um confit. O meu alter-ego: "deves pensar que eu sou maluco se pensas que eu vou comer isso a nadar em gordura!".
Fiz um assado com muito molho. Mas o sabor estava excelente. Dá para aproveitar para arroz de pato.