16.12.10

Sal

"Salt is the only product that changes cuisine. There's a big difference between food that has salt and food without it. If you don't believe that, ask people who can't eat salt." Ferran Adriá

Mais em: http://www.esquire.com/features/what-ive-learned/meaning-of-life-2011/ferran-adria-quotes-0111#ixzz18JZACgVl

5.12.10

No paraíso



















Ele de fato às riscas e ela vestida de criada austríaca. Servir tem alguma dignidade para quem o faz, mas também para quem é servido. O último restaurante onde estive levava isso a sério e ficava numa sala de uma casa senhorial, decorada com os tecidos inimagináveis, o cortinados atados com cordões de berloque, a alcatifa espessa, as cadeiras estofadas. Da minha mesa à janela via parte daquela terra de aristocratas, quando os havia, uma ponte que atravessava o rio e os peões a circular no frio com as mãos enfiadas nos bolsos e casacos compridos de fazenda por onde saíam os pezinhos que pisavam aquelas pedras centenárias.
Escolhi o menu executivo (de almoço) e troquei o atum em tataki pela couve-flor em creme, com caviar de Averuga e azeite de carabineiros. A única razão para isso foi que prefiro um líquido de entrada à refeição do que entradas secas. Além disso, desconfio das interpretações da cozinha japonesa e não consigo alinhar com ananás, que acompanharia essa sugestão. A ideia era boa, atum é dos Açores, o ananás também, mas não era por aí que queria entrar.
O creme de couve-flor é uma sopa muito apreciada por mim, mas que facilmente fica mal feita. Mas, a que me chegou era excelente. Além de ter os legumes na proporção correcta, não tinha gordura a mais e parecia estar emulsionada, sem qualquer surpresa de legume por passar. No centro, tinha alguma couve flor levemente cozida, picada, e as tais bolinhas de caviar que prometia na ementa. O azeite de carabineiro era uma solução bem pensada, colocada em dois fios opostos, de um vermelho-tijolo por cima do creme branco e traziam uma sabor de sal e do mar que caía muito bem. Trazia um sabor inesperado e merecia ser provado por si só.
De seguida, fiquei em dúvida entre o peixe e a carne. Nesta última, a hipótese era coxa de pato confitada com batata trufada, legumes salteados e molho de foi-gras. Pato confitado é um prato que já provei em várias variantes e sempre se saiu bem. Nesse dia, não era isso que me apetecia e queria pedir outra coisa. Mas o tamboril no forno com chutney de abóbora e risotto de camarão parecia uma opção muito banal para o que o ambiente pedia. Confessei este dilema ao empregado, que depressa me resolveu o problema. Disse que traria primeiro o tamboril para provar e eu entraria de seguida para o pato. Óptimo.
Na única mesa com clientes além da minha, um casal de jovens comemorava qualquer coisa de importante. Eles não tinham vindo para o menu executivo como eu e faziam, nesta altura, uma degustação das saudações do chefe. Eram pequenas amostras para perceber algumas combinações de sabores, das quais a única que me ficará na memória era o tártaro de rosbife com molho de rábano. Os dois demoraram uma eternidade a escolher o que queriam e apontavam frequentemente para a lista, fazendo risinhos cúmplices e tapando a boca de vergonha (ela). Escolheram Marquês de Borba para beber, eu o Kopke Reserva a copo, ambos tintos.
Entretanto, chegara o meu prato. Quando baixei a cabeça para ver, não fiquei maravilhado. Era, tal como previra, uma apresentação banal, com o risotto no fundo, o tamboril e o chutney de abóbora por cima. Entretanto, provei. O risotto de camarão era muito bom, húmido, mas cozido no ponto, e o seu molho traziam o sabor todo do camarão, de tal forma que nem fazia falta. Sentia-se ainda o sabor de moluscos com concha, mas estes não apareceram, deixando-me a pensar se não teria sido um caldo. O tamboril vinha com uma textura muito mais dura que aquela que estou habituado, mas fiquei convencido que essa é que funciona. Por fim, o chutney de abóbora era dulcíssimo e ligava com toda a soberba com o risotto (bem salgado) e o tamboril (com pouco mais sal que o que trazia do mar). Depois disto, arrependi-me de não ter escolhido esta opção. Mas eu tinha acabado de comer uma dose inteira...
A coxa de pato veio bem confitada (melhor de todas até agora) e mereceu mais uma carga de vinho que o empregado, com excelente golpe de vista, se encarregou de sugerir. A seguir provei a cenoura baby (excelente) e os espargos (muito bons, temperados com flor de sal). Faltava a batata, pouco apreciada. Foi o melhor do almoço. Era batata cortada em minúsculos bocados, ligada com manteiga, prensada e tostada no final. Pelo meio vinham as partículas de trufa, em boa quantidade. O resultado final foi um sabor totalmente inédito, uma textura que a sobe à primeira divisão dos acompanhamentos, um toque que roubou o protagonismo a todo o resto.
A sobremesa foi outra surpresa. Lendo como opções entre a pêra cozida em moscatel de Setúbal e baunilha e o Gelado de noz e fondant de frutos secos, optei pela segunda. Mas, quando chegou, erro meu, boa fortuna, não era uma opção: a sobremesa era tudo isto. O gelado de noz estava bem conseguido, a pêra estava cosida no ponto e, além da baunilha, sabia também a aniz. A cozedura em moscatel de Setúbal era bem pensada, porque dava um aspecto dourado e reluzente que, até para pessoas totalmente desapaixonadas de fruta cozida, como eu, suscitava apetite. Quanto ao fondant de frutos secos, bem... Era um bolinho do tamanho de um queque, mas que se estalava e deixava cair o creme tépido à base de ovo e dos tais frutos.
No final, café. Mas como já estou escaldado por uma moda que me há-de suscitar um outro post, certifiquei-me de qual era. Na mouche: Nespresso. Disse ao empregado que não apreciava isso a que agora chamam de café e perguntei se não teria saco de café, temendo desmaiar se a resposta fosse positiva. Ele disse que não, mas trouxe-me "um cafézinho que temos ali para nós".